Um livro na mão e mil ideias na cabeça

8/04/2021

 

Uma ideia comum em nossos dias, dita ou ouvida por muitos de nós, é a de que nossos jovens não leem. Nessa visão, não raro as tecnologias digitais − computador, celular, vídeo game − são condenadas como as grandes responsáveis pela derrocada da leitura. Será que esta ideia é mesmo verdade?

O texto é protagonista

Uma argumentação válida contra essa hipótese reside no fato de que Facebook, Twitter e WhatsApp, entre outras, são mídias predominantemente verbais, nas quais os textos têm lugar de destaque. Embora imagens, emojis, vídeos e figurinhas também façam parte desse universo, em geral são coadjuvantes do ator principal: o texto escrito. Levando em consideração que aproximadamente 88% da população brasileira utiliza as redes sociais, como revela o site Olhar Digital¹, podemos concordar que a leitura ainda cumpre um papel fundamental em nossa vida cotidiana.

O novo paradoxo e seus desafios

Se, por um lado, a produção e a leitura de textos nas redes sociais integram a rotina diária dos brasileiros, por outro lado, o desenvolvimento de competências linguísticas na escola parece impor dificuldades para nossos estudantes. Conforme revela o Portal Todos pela Educação², apenas 29,1% dos jovens que cursavam o terceiro ano do Ensino Médio em 2017 revelaram aprendizagem adequada em Língua Portuguesa.

Uma resposta para explicar esse paradoxo entre o grande volume de textos lidos/produzidos nas redes sociais e as dificuldades em desenvolver competências linguísticas necessárias pode residir na natureza dos textos veiculados nas mídias digitais. Nesses espaços, a linguagem empregada apresenta peculiaridades bastante próprias. Além do emprego de textos intercalados por imagens e vídeos, verifica-se a presença de frases curtas e fragmentadas, além de grande uso de abreviações, estratégias eficientes e legítimas para agilizar a comunicação. Nesse fluxo comunicativo extremamente ágil, a grande preocupação é o conteúdo, em detrimento aos cuidados com a forma.

Para que essa comunicação fragmentada das redes sociais não seja prejudicial ao desenvolvimento das competências linguísticas, seria importante que os leitores fossem expostos a diferentes gêneros textuais, especialmente os mais longos, capazes de revelar os mecanismos internos que conectam e fazem o texto avançar, sem perder sua unidade. Entretanto, dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil³ revelam que o número de brasileiros que realizaram a leitura de um livro, inteiro ou parcialmente, sofreu uma queda de 4,6 milhões entre 2015 e 2019. 

A necessária renovação dos modelos

Para solucionar essa equação e inserir a literatura no cotidiano de nossos estudantes, o texto necessita ocupar lugar central na sala de aula e na sala de casa. Enquanto pais e professores criticam o uso excessivo de smartphones e os prejuízos que trazem aos hábitos de leitura dos filhos e alunos, comumente se esquecem de refletir sobre o papel que a literatura tem em suas próprias vidas.

Nesse sentido, os docentes, muitas vezes amparados em modelos teóricos defasados, esgotam minutos preciosos de suas aulas tratando sobre as três fases da escrita de Carlos Drummond de Andrade, ou sobre as características da escola realista, sem sequer abrir o livro e permitir o acesso do aluno ao objeto último de sua aula: o texto.

Por sua vez, os pais, embora critiquem muitas vezes os filhos por não cultivarem o hábito da leitura, também não inserem a literatura em seus cotidianos, seja passeando na livraria, criando rodas de leitura ou simplesmente lendo e compartilhando as histórias. 

Redescobrindo a leitura

Nesse sentido, no Dia da Leitura e no Dia Internacional do Livro, no lugar de lamentar a perda de espaço do livro no cotidiano do brasileiro, pode-se selecionar uma obra, provavelmente esquecida há tempos na estante empoeirada, e abri-la sem maiores pretensões, dedicando a ela alguns minutos.

Com o tempo, talvez os leitores sejam fisgados pelas linhas iniciais de O enfermeiro, conto de Machado de Assis, ou pelas primeiras linhas de Cem anos de solidão, de Gabriel Garcia Márquez.

Avançando gradativamente, pode-se observar como, no texto literário, diferentemente dos textos compartilhados nas redes sociais, a forma é tão importante quanto o conteúdo. Como  no soneto Amor é fogo que arde sem se ver, de Luís Vaz de Camões, no qual o autor dedica algumas linhas à tentativa − ingrata − de definir o que é o amor. E, para dar conta do desafio, brinca com as palavras, aproximando ideias opostas num recurso chamado antítese. Mesmo que o leitor não perceba a forma como as palavras são minuciosamente escolhidas para integrarem o poema, capta o sentido global da mensagem, que remete à confusão de sentimentos, simultaneamente bons e ruins, que compõem o amor.

Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
Luís Vaz de Camões

Se o desejo for dar um passo além, pode-se criar clubes de leitura com filhos e alunos, nos quais os integrantes combinem de ler juntos uma obra e depois troquem suas impressões sobre ela. O importante é que o livro esteja no centro das atenções e na frente dos olhos. 

Fontes citadas no texto:
¹ OLHAR DIGITAL. Brasil é o país que mais usa redes sociais na América Latina. 2019. Disponível em: https://bit.ly/39XvrWq. Acesso em: 08 abr. 2021.

² TODOS PELA EDUCAÇÃO. Em 10 anos, aprendizado adequado no ensino médio segue estagnado, apesar dos avanços no 5° ano do fundamental. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3t11YCI. Acesso em: 08 abr. 2021

³ CENPEC Educação. Retratos da leitura no Brasil: por que estamos perdendo leitores. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3s281FB. Acesso em: 08 abr. 2021.

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