A leitura e a transformação do mundo, de nós mesmos e da própria leitura

22/04/2021

 

Você sabia que a forma como olhamos o mundo foi se diferenciando, isto é, o ângulo que os nossos olhos estabelecem para com os objetos foi sendo desenvolvido com o passar do tempo?

Ler é descobrir

Ler é um processo amplo, contínuo e complexo que se aprimora conforme vamos observando o mundo e realizando novas leituras. Com a leitura, temos a possibilidade de acessar novas informações, e, também, novas descobertas, novos textos, novas abordagens sobre o mundo vão sendo construídas. É por isso que se pode dizer que tanto nós quanto a leitura se transformam.

Vamos iniciar observando a imagem:

A leitura e a transformação do mundo, de nós mesmos e da própria leitura.

 

Nossa primeira leitura provavelmente seja: é uma caverna.

Se nos detivermos mais atentamente perceberemos que não se trata de uma caverna qualquer.

Se já tivermos realizado algumas leituras sobre manifestações rupestres, a leitura dessa imagem poderá nos provocar perguntas que fazemos, ou não, sobre essa necessidade humana de registrar algo, de deixar registradas as suas histórias.

E daí, dependendo de nossa curiosidade, de quanto esse assunto nos chama a atenção, de quanto estamos com certa disponibilidade (de tempo e emocional), poderemos procurar novas informações sobre o assunto e realizar novas leituras. 

Agora, imagine um antropólogo, alguém que tem se dedicado a ler essas manifestações, se deparando com uma caverna assim? Certamente a leitura que ele realizará dessa caverna será diferente e novas abordagens de leitura serão apresentadas, transformando, inclusive, posteriormente, a qualificação da nossa leitura em relação a essa mesma imagem.

Vamos para outra imagem:

A leitura e a transformação do mundo, de nós mesmos e da própria leitura.

 

É uma cena de pessoas caminhando em uma calçada. Que calçada é essa? A calçada dessa rua sempre foi assim?

A leitura dessa calçada provoca outras análises, porque, diferente da imagem da caverna, a imagem dessa calçada foi transformada quando, a partir de leituras diversas, se constatou que, nessa cidade, por mais que houvesse também pedestres negros circulando, nem sempre eles conseguiam ver registradas as suas pegadas.

A leitura da imagem dessa calçada, tal como se apresenta hoje, só é possível uma vez que leituras diversas a respeito dessa cidade foram sendo apresentadas: a leitura pode transformar o mundo, transformar a nós mesmos e transformar a própria leitura.

A leitura não se restringe ao conhecimento do código escrito.

Por um bom tempo se considerou a leitura como a decodificação de palavras. Desde a segunda metade do século XX, é praticamente impossível se considerar que alguém estará completamente incluído socialmente se desconhecer os mecanismos da leitura escrita. Mas saber ler o que está escrito não revela toda a potencialidade do que é ser um leitor.

Por mais que existam várias formas de se ler o mundo, atualmente é inviável não considerar que ter acesso e conhecimento da leitura escrita deva ser um direito e um dever de todos. Isto é, todos devem poder ser incluídos ao mundo da escrita, a fim de poder ter acesso aos registros históricos, às narrativas de todos os tempos e culturas.

Há muitas formas de, a partir da leitura, transformar a leitura, ou seja, é dever de todos, da comunidade e da cidade, possibilitar interlocuções que promovam essa atividade.

Da parte institucional, existem frentes como as desenvolvidas pelo SESI: Dia da Leitura, ações nas unidades do SESI e empresas, Bibliotecas, Escolas e Formação Continuada. Mas também é possível desenvolver ações no do dia a dia, como , por exemplo, em conversas com colegas, ao emprestar ou sugerir livros, propor no local de trabalho dez minutos para relatos do que está sendo lido etc. 

E a leitura de literatura?

A importância da literatura, a importância do resgate de nós mesmos por meio do que os escritores de tempos e locais distintos têm para nos contar é essencial para a manutenção de uma sociedade.

Contar de nós mesmos nos constitui enquanto seres humanos. Assim, além da garantia do acesso à leitura, é fundamental que todos possamos desenvolver práticas em relação à leitura de literatura. Como assegura o crítico literário brasileiro Antonio Candido, criador da teoria relativa à análise do que seja literatura além de critérios de estrutura ou apenas intrínsecos ao texto, tratar de literatura tem como mais importante um sistema literário: com escritores, produção escrita e leitores, sem pressuposições restritas e engessadas.

A importância da leitura de literatura diz da necessidade de nos confrontarmos a partir das angústias, das alegrias e tristezas, dos desafios, do novo e, às vezes, incômodo confronto com o outro.

Com a leitura de literatura temos a possibilidade de, com os outros e as outras, de séculos e décadas passadas, de regiões hoje inexistentes, de lugares que nunca teríamos sequer a curiosidade de conhecer, de lugares próximos que nossa inconsciência da existência nunca nos permitiu ver, com espaços até então ainda não existentes, olharmos como somos e, nem que seja por alguns minutos, experimentar no ato solitário que pode ser a leitura de um livro, as novas possibilidades de sermos o que quisermos ser e, de experiências em experiências, vislumbrar concretudes para essas possibilidades.

Ter acesso a livros de literatura – de vários tamanhos, com capas de gramaturas diversas, com muitas ou poucas páginas, com histórias simples ou bastante complexas – é também direito de todos nós. Nesse sentido, as Bibliotecas acabam sendo o local privilegiado para a garantia desse direito, mas, ainda bem, novos locais começam a também permitir esse acesso: refeitórios, transporte coletivo etc.

“A leitura tem muito a ver com o espaço, ela se relaciona com os alicerces espaciais. Ela parece ser um caminho privilegiado para encontrar um lugar, se acomodar, ali fazer seu ninho.”

Michèle Petit, in: Ler o mundo – experiências de transmissão cultural nos dias de hoje. São Paulo: Editora 34, 2019.

Talvez o que todos nós queiramos é ter o direito de ver nossas histórias gravadas em uma caverna. E todos nós queremos ter ao menos uma caverna.

Que todos realizem muitas leituras e que tenham a felicidade de encontrar livros de literatura que lhes permitam dialogar, mesmo que através da oposição, consigo mesmos.

Como sugestão para ampliação dos temas aqui tratados, apresentamos os links de duas lives da Equipe de Formação de Professores:

Leitura como concepção de um mundo diverso.

Leitura e Literatura: modos de (re) existir.

Para conferir: https://bit.ly/AOVIVOEFP

Joice Welter Ramos

Atualmente é Coordenadora da Área de Linguagens da Equipe de Formação de Professores na GEDUC SESI-RS. É licenciada em Letras pela UFRGS, professora de Língua Portuguesa e leitora contumaz.

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